segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Entrevista com Marcelo Freixo

Marcelo Freixo, 43 anos, morador de Niterói, é professor de História e milita há 20 anos pelos Direitos Humanos. Em 2007 assumiu o primeiro mandato como deputado estadual do PSOL, na Alerj. Presidiu a CPI das Milícias, que indiciou envolvidos e 58 medidas concretas para acabar com essa máfia. Denunciou fraude no auxílio-educação na Alerj, o que levou à cassação das deputadas Jane Cozzolino e Renata do Posto. Pediu a cassação do deputado e ex-chefe de Polícia Álvaro Lins.

Entre as suas iniciativas legislativas, destacam-se a lei que reconhece o funk como atividade cultural, a lei de prevenção à tortura e as emendas constitucionais para a efetivação dos animadores culturais na rede estadual de ensino e a ampliação para seis meses da licença maternidade das servidoras estaduais. Freixo é o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj e também tem ativa participação na Comissão de Educação.

Em entrevista, Freixo fala sobre os objetivos do Mandato e da mudança de rotina por conta das ameaças de morte pela sua atuação contra os grupos milicianos.

Por que você está sendo prejudicado e não pode fazer campanha política?
A aprovação da CPI das Milícias foi o que causou maior impacto no mandato. A CPI aconteceu no segundo semestre de 2008 e desde então 225 pessoas foram indiciadas, pedimos a investigação de mais de 1.100 pessoas, mudou a opinião pública sobre milícias, mudou a relação com as forças, empurrou a Secretaria de Segurança para uma ação mais concreta.

Isso é visível nos números. Tivemos 5 milicianos presos em 2006. Em 2007 tivemos 17 milicianos presos. Em 2008 foram 24 e em 2009, depois da CPI, foram 275 milicianos presos. Então é óbvio que alguma coisa mudou a partir da CPI.

Tivemos casos de deputados, chefes de polícia e vereadores que não só perderam mandato como foram presos, nota-se um efeito também no setor forte da milícia, que causou a perda de espaço do braço político das Milícias.

A milícia tem uma estrutura de máfia, verdadeiramente crime organizado, e é promovida por agentes públicos. O domínio miliciano no território mexe com a estrutura do poder público. Muitas vezes as milícias dominavam as indicações dos delegados da região, diretores de escolas, dos hospitais, determinavam as bases daquelas localidades. É evidente que eles representavam o poder público naqueles lugares.

Enfrentar isso tem suas conseqüências e por isso nesse momento tenho que andar com segurança, passar por mudanças na vida privada e muitas outras coisas.

Nossa campanha não é uma campanha de grana, de placa, feita por agência. Nós não pagamos a ninguém para entregar papel ou segurar placa. Os militantes estão lá por ideologia. Uma campanha militante quando fica impedida de fazer sua única forma de campanha, de ir às ruas, fica complicado. Tivemos um caso de um menino que estava com um adesivo nosso no peito em Jacarepaguá, Zona Oeste da Cidade, que passou por constrangimento. Ele estava saindo de uma roda de funk e os milicianos da área pediram para que tirassem o adesivo se quisesse continuar morando ali. Imagina alguém panfletando? Não há ninguém fazendo campanha nesses lugares. Estamos usando a internet. Onde não tem Milícia nossa campanha acontece: Centro, Zona Sul, Niterói. Isso tudo prejudica a campanha e a obriga a seguir de uma forma mais cautelosa.


Ciente do tamanho dos perigos e das consequências para a campanha, por que você compra essa briga com a Milícia?
Porque é necessário. Se não fosse para comprar essa briga era melhor não ser deputado. Eu não posso abrir mão de comprar uma briga que o Rio de Janeiro tem que comprar. Se eu escolher as brigas e for motivado pelo medo é melhor não ter mandato. É melhor ficar em casa. Minha história é marcada pela busca dos Direitos Humanos. Eu faria de novo e não tenho receio, mesmo sendo desagradável. Temos que buscar alternativas para não agravar mais a situação. O enfrentamento da milícia também é obrigação de quem quer ter mandato. Faria tudo de novo.

Por que concorrer ao mandato de novo mesmo com tanto risco?
Primeiro porque ter um mandato hoje acaba sendo um instrumento de proteção. É mais difícil deles fazerem algo contra mim. Mais difícil um atentado contra um deputado do que a um militante pelos Direitos Humanos. Hoje, se eu não ganhar esse mandato terei que sair do país. O que mais nos move pela defesa do mandato é o convencimento de que ter um espaço no Parlamento é muito importante para as lutas sociais. Nosso mandato serve às lutas populares. É montado em cima disso.

Resuma melhor o tipo de ameaça que você sofre, sua família está sujeita?
Na verdade eu não recebi nenhuma ameaça direta. Primeiro, porque não precisa. Parece mais perigoso ainda quando não tem ameaça, pois quando há ameaça é porque eles querem que você recue e se não há é porque não há recuo. E o enfretamento está dado. Eu sei com quem estou lidando, sei como a milícia age. A DRACO da policia civil descobriu dois planos concretos contra mim, interceptou as ligações e encontraram uma carta onde uma milícia encomendava para outra milícia a minha morte. Uma das pessoas presas confessou isso, daí a minha necessidade de seguranças. Mas felizmente não há nenhum indício de que isso extrapole para família

De que forma isso muda sua rotina?
Em tudo praticamente. Ando em carro blindado, com escolta, não tenho rotina, não durmo no mesmo lugar. A minha rotina é o trabalho. Nos deslocamentos rotineiros, como chegar à Assembléia, eu tenho um cuidado maior.

Você enxerga algum mandato além do seu, que segue a linha de trabalho junto aos movimentos sociais?
Nenhum. Não consigo enxergar. E não tenho isso como glória em ser o único, porque seria muito importante ter outro mandato com a mesma ideologia, mesmo que fosse de outro partido, para que fosse maior a resistência. Infelizmente não vejo. Os mandatos se tornaram fim e não o meio.

Conseguimos ter um mandato formado pelos movimentos sociais, que não foi pautado pelo partido, onde mais da metade dos militantes do mandato sequer são filiados ao partido, eles são militantes da luta social. A melhor maneira que posso contribuir é criar um mandato que dialogue com os movimentos sociais. O mandato a serviço das lutas.

Se você pudesse contar a historia desse mandato, que mandato foi esse? O que esse mandato fez que merece o crédito do eleitor para votar de novo?
O mandato chegou a um lugar que era muito maior do que eu esperava. Quando ganhamos a eleição e eu olhei a composição da Assembléia, me questionei: o que eu faria num lugar como esse, que é marcado pelo conservadorismo, clientelismo, banditismo? Não é só um problema de ideologia, é muito pior que isso. Estamos terminando o mandato como um dos mais conhecidos, mesmo não tendo bancada. Conseguimos vitórias importantes dentro da Assembléia porque tivemos posição política de enfrentamento. Ganhamos um espaço enorme que foi fruto do enfrentamento. A visibilidade veio de fora para dentro. Respeitabilidade. Não abrir mão de seus princípios. A assembléia aprovou 4 PACS, que para ser aprovadas têm que ter pelo menos 42 votos, contra 80 deputados. E duas das quatro foram nossas, uma da Licença Maternidade e outra dos Animadores Culturais. É muito difícil num primeiro mandato aprovar uma PAC. E duas foram nossas. Nosso objetivo é trazer as pautas da sociedade para dentro da Assembléia.

Nossa pedagogia segue dois caminhos: um para dentro - instrumentos para o enfrentamento na Assembléia - e outro para fora - fortalecimento dos movimentos sociais.

Quem tiver interessado em colaborar com a campanha, como pode fazer?
Os comitês estão funcionando, tem comitês na Tijuca, na Zona Sul, nas Universidades. É só entrarem em contato com a coordenação do mandato. Têm comitês fora do Rio, se espalhando por ai. O crescimento dos apoios é impressionante. Pedimos que as pessoas se envolvam. Queremos ganhar a campanha quantitativamente, mas queremos ganhar a campanha no dia a dia, que é uma reafirmação de uma política que é necessária, que não faz acordo. Isso é possível. Isso não morreu. A relação de um mandato com as lutas sociais, o debate dos direitos humanos, as resistências que colocamos. Não é só a minha vida, a minha segurança. A derrota do nosso mandato seria muito mais ampla do que a derrota de um gabinete, seria a derrota de uma política que acreditamos que não merece ser derrotada.

Um comentário:

Carolina Vieira disse...

Nossa, sensacional a entrevista do Marcelo Freixo. Fico muito feliz de saber que ainda existe candidato assim disputando as eleições.